Acabo de entregar minha filha mais nova à professora. Engulo seco. É seu terceiro dia de aula. Chorou muitas vezes na tarde de ontem. Distraíram-na outras tantas. Não fez ainda dois anos. Quero mamãe. Nessa e noutras vezes não sirvo. É assim mesmo. Digo isso de boca para fora. Em verdade, tomo do mesmo calmante: uso para mim a mesma estratégia que aplicamos à pequena. Para que nos acalmemos, portanto, ludibriar. Mudar o foco. Eis a panaceia. Soluço. Não é a solução (mil desculpas com o esgarçado trocadilho).
Nada de novo nisso. Muitos já o disseram, já o escreveram, já o confessaram. Na ótica mais pessimista – ou essa qualificação seria apenas mais um subterfúgio, outro disfarce, pois sua lente parece bem real – como dizia, na ótica mais pessimista, é só o começo das perdas. Já não é a primeira. No princípio chegara a hora e ela teve que desocupar o ventre materno. Depois o cordão umbilical, que funde mamãe e bebê, foi cortado. Sem discussão. Quase um ano de vida e veio o momento de largar o seio. O leite, outro cordão, essa líquida alma da mãe substanciosamente sugado pela infante, pequena e tenra boca. Fim da licença maternidade. Fica em casa com quem lhe possa afetuosamente cuidar. O sábado e domingo são ilusões. Bem passageiras. Mãe e pai também compartilham dessa sensação. A rotação da Terra tem velocidades diferentes. Depende do dia. Então, a criança brinca que vai à escola. Ela vê os irmãos. Quer a mochila, o uniforme, o caderno. Rabisca. Obra de arte para o papai. Fantasia a escola. Idealista, enreda o primeiro romance do qual é a protagonista. Mas, chega o dia da escola de verdade. A estreia. Foi aí que comecei a escrever. (E rezar minha ladainha.)
Outras perdas virão. Uma coleção delas. Os mimos não dados. As dores não compreendidas. As amedrontadoras, intermináveis noites solitárias. Insucessos escolares. Os amores não correspondidos. As baladas não permitidas.
Uma dessas perdas, melhor não pensar. Não estarei (mais) em carne e osso para, mesmo chegando atrasado, como quase sempre, estar a seu lado. Volátil, folgado em minha veste, desesperadamente poderei não ser percebido.
Belo texto, Chicho. Até perdendo a gente canta. Um viva pra vida.
Lindo. Chorei. Num momento em que a líquida alma ainda me une à minha pequena, me antecipo em relação à perda. Mas são perdas que se transformam em trocas.
Um grande abraço.
Gladis Tridapalli
Chorei também…Mas para toda perda, sempre há ganhos, não é?
Chicho, muito forte e profunda sua percepção dos des(enlaces) que vão acontecendo ao longo da nossa vida com nossos meninos e meninas. Indico a você e outros pais a música "Barcelona" da Paulinha Toller que fala disso também… Ela embalou alguns dos dias longos que passamos sem o Jonas ….
Eu não sabia que existia
Esse outro parto de partir
E me deixar na beira do cais
Filho sempre meu não mais
Eu não sabia que teria
Que ter você pela segunda vez
Dar ao mundo e a tudo que há
E a tudo mais que você criar
Solta da minha mão
Leva o seu violão
Dentro do mochilão
Leva também o meu coração
Música: Barcelona (Paula Toller)
eu queria saber qual o e-mail do professor chicho. obrigado
Oi, Robson!
O e-mail do Chicho é chicho@colegiomedianeira.g12.br
Abraço
Robson, vai aí o meu e-mail:
chicho@colegiomedianeira.g12.br