“Isto não é um cachimbo”, diz a obra de René Magritte. Poxa, mas se isso me parece um cachimbo, por que não seria um? É verdade, tá ali, ó, no quadro.
Todo mundo representa e não tenho dúvidas sobre isso. Alguém já disse, e isso parece o grande teatro da existência. O padeiro ou farmacêutico, oprimidos por sua própria ânsia em acumular capital, teimam em tratar o cliente com um sorriso largo no rosto, perguntando se está tudo bem. Sorriso falso, representado, como se eles estivessem realmente preocupados. O manual dos bons costumes ao atendimento ao cliente estabelece que assim deve ser. A funcionária de uma loja de perfumes que me aborda para oferecer uma nova fragrância. Ela parece dizer, sorriso lindo nos lábios: “Senhor, seu cheiro podia ser melhor”, quando, na verdade, o que ela diz é se eu gostaria de experimentar um novo aroma.
A representação não é característica própria do mundo do consumo ou dos negócios. Eu tenho vontade, sério, de na hora de uma despedida, quando me dizem “Um abraço”, falar: “Peraí, venha aqui, me dá um abraço”! Louco, é mera formalidade, convenção, representação. Quando me perguntam: “Tudo bem?”, digo que sim, está tudo bem, mesmo que esteja atolado na maior lameira. Assumo um papel. Quando pensava no esboço desse texto, por exemplo, lembrei de um trecho do livro A idade da razão, de Sartre, cuja personagem se maquia de tal forma que, sob os olhos de um desconhecido, até parecia bela. Como sou besta! Aí percebi que não me lembrava de nada, absolutamente nada do livro, exceto essa passagem. Ora, citaria essa parte e você, leitor, iria me achar talvez culto ou, o que se encaixaria melhor, pedante. Passaria uma imagem, a minha representação, que nada tem de verdade.
É mais ou menos assim: saímos na rua fantasiados. Não dizemos nada do que pensamos, exceto o que a convenção nos permite. É a construção histórica da nossa sociedade que determina o que podemos falar ou não. Sorte nossa termos ainda o pensamento. Como o Vinícius me lembrou, o Cezar invocou um pensamento de Nelson Rodrigues durante o último Seminário: se todos soubessem o que os outros pensam seria um problema.
Ora, leitor, me diga o que você pensa, cansei de representar sozinho.
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Diego Zerwes |
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É publicitário (UP) e Especialista em Literatura Brasileira e História Nacional (UTFPR). Trabalha na Comunicação do Colégio Medianeira. É tradutor (diletante) da vasta obra musical de Leonard Cohen, publicada periodicamente no Traduzindo Leonard Cohen. Leia outros artigos dele aqui. |
Hei, poparar! Agora, se eu escrever qualquer coisa aqui, você vai achar que eu tô representando! hehe.
Re-presentar é tornar algo novamente presente (pegue um texto de teatro e leve-o ao palco. A cada dia de "apresentação", você fará uma "re-presentação", ou seja, você vai torná-lo presente de novo).
Sem dúvida, muito da nossa re-presentação ganha um tom de falsidade (como um ator, que vive uma vida que não é a dele). Afinal, ficção vem do latim = fingere = fingir.
Por outro lado, existem as representações sociais que são próprias da vida, que são inofensivas e até salutares, que fazem com que a gente não seja um bloco único e imutável, sem flexibilidade para agir de acordo com o ambiente. Em uma reunião do trabalho, agimos de determinada maneira (talvez um pouco mais sérios). Em uma roda de amigos (que pode ser o mesmo pessoal da reunião do trabalho), num lugar mais descontraído, podemos agir de outra maneira e falar outras coisas.
Um professor, dentro da sala de aula, representa um papel. Fora da sala, pode desempenhar outro. Mas isso não significa necessariamente falsidade, concorda?
Isso não é uma discordância do teu post, do qual gostei bastante (particularmente, um dos motivos que me fazem ser fã do Machado de Assis é a capacidade dele de brincar com o binômio "aparência x realidade"). É uma espécie de tentativa de olhar a partir de outro ponto de vista, complementar.
Aquele abraço!
[…] This post was mentioned on Twitter by Mídia Medianeira, Cezar Tridapalli. Cezar Tridapalli said: RT @midiaeducacao A arte de representar http://bit.ly/9lnUcE […]
Tá bom, Cezar, vou representar, então, que você não está representando. hahaha.
Claro, a representação é extremamente necessária para a harmonia das relações sociais. E, realmente, nem sempre é falsidade. A verdade é que ela é multifacetada.
Representar, eu acho, é a única maneira também de nos fazermos entender.
Um grande abraço.