Vinicius, suas reflexões acerca da nossa cidade no seu último post“Identidade e imaginário urbano” me provocaram inúmeras outras reflexões e questionamentos. Pensando em qual seria a minha Curitiba, tive muita dificuldade de encontrar alguns símbolos, espaços ou eventos que estabeleçam o meu vínculo, a minha identidade com esta cidade sem esbarrar, inevitavelmente, nos redundantes clichês do curitibano, que nos foram introjetados goela abaixo pelos meios de comunicação e publicidade. Confesso ter sentido um imenso vazio ao me deparar com uma ausência de pertencimento, uma falta de capacidade de identificar o meu imaginário da minha cidade natal.
Atribuo isso a basicamente duas causas: primeiro, o forjar de uma cidade virtual, imaginária, não ‘um pouco para inglês ver’, mas ‘apenas para inglês ver’. Nosso imaginário coletivo acerca da cidade não passa pelos espaços vividos pelo curitibano, muito pelo contrário: nossas referências são aonde nós não vamos e aquilo que não somos. Nossa espontaneidade e irreverência nos fez “Cidade Sorriso”. Nossos símbolos esqueceram-se da gente: quantos parques freqüentamos? Quantas vezes usufruímos do Jardim Botânico, da Ópera de Arama ou da esquecida Pedreira?
A segunda causa é a excessiva existência de não-lugares na nossa cidade. Nossos jovens (incluo aí a minha geração) têm como referência de espaços de socialização, de convivência, lugares criados artificialmente para isso, homogêneos, cristalizados. Falo dos shopping centers, tão bem freqüentados pela nossa gente, das canchas sintéticas de futebol, boates à la Disneylândia. Espaços massificados, anestésicos, pobres em significado, verdadeiros ciberespaços.
Acho que é por isso que me sinto desterrado, sem um lócus curitibano que me faça pertencer a esta cidade com mais convicção. Contraditoriamente a essa ausência simbólica, de representações que traduzam o meu viver em Curitiba, sinto-me parte dela, sinto-me plenamente curitibano e enraizado nesta cidade. Gosto de caminhar por suas ruas, de passear pelas vizinhanças do Jardim das Américas (meu antigo bairro) e, agora, me pego contemplando minha nova vista no Alto da Rua XV.
Acho que o grande erro, talvez, seja tentar explicar sentimentos através de representações, pois estas nunca são capazes de dizer a verdade sobre as coisas. Achei muito bacana, Vinicius, sua idéia de tirar fotos para tentar compreender a sua própria Curitiba, ainda que desta maneira você terá em mãos apenas fragmentos do seu mundo. E como fragmentos, creio que não serás capaz de perceber e explicar o seu mundo. Quando tentamos racionalizar uma realidade, através de nossa consciência, inevitavelmente esbarramos com a cegueira intrínseca da consciência. Assim como o olho que observa todo seu entorno e jamais conseguirá enxergar a si mesmo, a consciência também tem seu ponto cego. E nós, ingenuamente, achamos que a razão dá conta da completude do mundo, e, quando ela não dá conta, nos frustramos.
Mais do que analisar seu próprio olhar, sugiro que tente transformá-lo em arte. Ou seja, que use suas fotos não como simples registros, documentos de análise, mas que tente usá-las como uma forma de criar, expressar o belo que Curitiba te causa. Acredito ser diante desta arte que você expressará, para si mesmo e para todos nós, a sua Curitiba.
Fico no aguardo da exposição!
Um bom feriado a todos,
Juliano Pilotto.
Salve, Juliano! Esse negócio de pertencer ou não a uma cidade vai rendendo boas reflexões e percepções. Ao ler os posts e ver as fotos da janela do seu quarto, percebi que somos vizinhos! Só pode, pois, da janela do meu quarto, eu posso ver exatamente essa paisagem que aparece na sua foto!
Veja só, mais uma coisa pra gente perceber o quanto não percebe as coisas, rs.
Abraço!
Creio que Curitiba, tanto quanto o próprio estado do Paraná, parece sofrer de uma amnésia de sua própria história, de suas muitas paisagens e de uma crise de identidade. Não pode ser vergonha da história e do cenário paranaense. O tempo e o espaço araucariano não pouparam belas surpresas e bizarrices, que acabam sendo dignas marcas do ser curitibano. Veja a Guerra do Pente no centro de Curitiba do final dos anos 60 se não estiver enganado… O nascer da lua cheia atrás da Serra do Mar ou o por do sol prá lá do Purunã são mágicos: tem sempre uma silhueta de pinheiro de braços abertos contrastando com os astros.
Por outro lado ainda temos uma relação antropofágica com aquilo que é "made in Curitiba". A música e tantas outras artes sofrem dessa pouca valorização local.
Daí talvez essas curitibas dos parques que mistura um bom arranjo da geografia local, engenharia de paisagismo e algumas marcas de turismo enlatadas e que se visita num circuito de Jardineira, numa tarde que pode fazer calor de 30 graus ao meio e ao mesmo tempo forçar o uso do guarda-chuva, do pulover e do gorro.