O branco dos dentes exposto no sorriso escancarado desses três rapazes sugere a satisfação da missão cumprida e, mais do que isso, realizada com muito gosto. O ambiente mais escuro do que a noite, sutilmente transgredido pela luz direcionada das lanternas dos capacetes e ainda, instantaneamente violada pelo flash da máquina fotográfica, dá uma dica. Afinal, qual era a razão para o faiscar contrastante dos três pares de olhos claros emoldurados pela argila quase vermelha? Que lugar é esse da foto?
Tentemos responder a última questão. O nome próprio, aquele que atribui uma qualidade específica, plena de história e de simbolismo para o lugar, não posso precisar… mas sou capaz de arriscar alguns palpites. Pois lá vão: Talvez seja Terra Boa ou Campestrinho, quem sabe, Olhos d’Água – nome bacana -, Pimentas, Piedade, Itaperussu, Contemplação, Bromados, Lancinha, … bem tem aí nove chutes. E o que são cada um desses lugares? Adivinhe!
Ora, são cavernas. Algumas de nossas grutas, elas que insinuam que há um montão de cenários subterrâneos, deslumbrantes e misteriosos, absolutamente escuros em seus meandros, rocha calcária adentro. Tudo isso aqui, há poucos quilômetros ao norte e noroeste de Curitiba. O que levou Cláudio Genthner, Luis Fernando Silva da Rocha e Darci Paulo Zakrzewski (da esquerda para direita), apesar de extenuados, por várias vezes a sorrir com viva espontaneidade e prazer, como no registro fotográfico acima, era a realização de mais uma tarefa em suas explorações científicas. Provavelmente concluíam a topografia de uma gruta. Para isso, é preciso se esgueirar feito réptil por apertados condutos, prensados entre o teto e o chão e que, de forma surpreendente, tantas vezes é o acesso a um amplo e ornamentado salão. É necessário também, subir para galerias superiores ou descer para os condutos situados nos andares de baixo, pendurados em cordas, das quais pendem e dependem as vidas atadas aos mosquetões de aço. O corpo e a alma entregues à resistência da liga metálica e as fibras do nylon, ou seja lá de que material for.
O trio, bem como outros colegas, são responsáveis pela descoberta, medição, registro fotográfico e inventário de formações minerais e formas de vida de mais de cento e cinquenta cavernas no Paraná. Essa turma fez ou ainda faz parte do GEEP-Açungui – Grupo de Estudos Espeleológicos do Paraná, uma instituição que já passou dos vinte e cinco anos de existência marcados por inestimáveis trabalhos a respeito desses tesouros geológicos, museus naturais da história da formação da Terra – e de quebra, de nossas primeiras moradas.
É a esse pessoal do GEEP-Açungui, bem como aos que antecederam a esse grupo criado na metade da década de 1980, e que são os pioneiros das cavernas paranaenses, que procuro homenagear com esse singelo espaço de recordação. Portanto, a ciência espeleológica é muito grata à turma do GEO e de Os Morcegos, ambos de Curitiba e mais ou menos contemporâneos do Espeleoclube de Londrina, nos revolucionários anos do final de 1960 e início de 1970. Os relatos dos exploradores do GEO e de Os Morcegos, muitas vezes nos contam de que iam às cavernas de Rio Branco do Sul, de trem! E mais, embarcavam no trem na Estação Bacacheri, junto à Avenida Erasto Gaertner!!
Há também uma moçada tão antiga, ou melhor, tão experiente quanto o GEEP, e que segue também firme, aliás a todo gás: é o pessoal do Segundo Planalto, o GUPE o Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas, da Universidade Estadual de Ponta Grossa. O GUPE tem desenvolvido excelentes estudos não apenas em cavernas calcárias, mas em muitos cavidades naturais em outros tipos de rocha, como o arenito.
Em tempo: da turma com quem eu tive o prazer de conviver e dividir algumas aventuras espeleológicas, que é a “primeira geração” do GEEP, há muitas histórias para se contar. Certamente, o mais ilustre, aquele que encheria um livro apenas com suas inesquecíveis aventuras, é o Darci – o do canto direito na foto. Havia uma época que a gente saía para campo e dizia que se o Darci não fosse não adiantava porque a “caverna não abreria”, como se ele fosse dotado da senha de Ali Babá. Era quase isso. Mas, o Darci não perdia uma… ainda bem!
De modo que, devo trazer à tona alguma dessas estórias. Muitos jovens deverão se recordar do Darci e de suas estrepolias subterrâneas, afinal, não há na região de Curitiba, alguém que tenha conduzido – de fato como guia – mais estudantes de diversas escolas e faculdades, desde 1986 até o presente, quanto o simpático “Espeleodarci”. Então, fica o convite para futuras leituras de estórias emanadas do subsolo. Não perca!
De lambuja: uma foto do Darci em meio ao levantamento topográfico do que batuzamos provisoriamente de “Toca do Opilião”, uma pequena caverna, situada no interior do Parque Estadual de Campinhos.
Francisco Carlos Rehme